Cerimônia de Abertura 2055

Viagens sempre foram assuntos delicados para Sam.

Em sua infância, viagens sempre significaram mais machucados e coisas que não gostava de ver. Coisas que, quando criança, seus cuidadores nunca tiveram o cuidado de esconder. Coisas que nenhuma criança deveria ver.

Além disso, com viagens vinham os enjoos por causa do movimento rápido das árvores, ou das guinadas e solavancos que acompanhavam a viagem.

Sua família adotiva sabia disso — Sam só não fazia ideia de como eles sabiam disso, embora Eridan sempre disse que era ela mesma que contava essas coisas — e, por isso, sempre deixavam uma pequena bolsinha a sua mão, com coisas que ela pudesse precisar: um bichinho de pelúcia, um cobertorzinho guardado desde quando ainda era uma criança indefesa e negligenciada. Negligenciada pela sua mãe, negligenciada pelo sistema trouxa, negligenciada pelos lares adotivos em que ficou antes de ser adotada por Alma.

Alice era sempre quem aparecia em viagens. Ela sempre estava acompanhada de Charlotte — ou Charlie, como gosta de ser chamada por seus amigos — sua mãe. Eram elas quem lidavam com os enjoos de movimento e o receio de se machucar de novo. E Alice gostava de Eridan.

Charlie não gostava que Alice gostasse de Eridan. Sempre temia que sua filha falasse algo que não pudesse para a menina loira e espevitada. Não conheciam Eridan muito bem, não o suficiente para que contassem toda a verdade sobre eles, e Charlie se recusava a confiar na menina — mesmo que muitos achassem que era desnecessário que ela ficasse no escuro sobre.

De qualquer forma, Alice dormiu quase a viagem inteira, encolhida em um dos bancos de uma das cabines mais vazias que puderam encontrar.

Ela já estava presente quando entraram no trem, e bastou o trem começar a sair da estação para que a menina começasse a bocejar, aconchegando-se no canto da poltrona com a janela, encostando a cabeça no vidro gelado, tirou o coelho da mochila que levava consigo, e o cobertor — que agora servia para cobri-lo — e se encolheu, tirando as botas de couro para ficar mais confortável de meias.

Ela estava dormindo quando o trem entrou no primeiro túnel. E acordou novamente quando Eridan a sacudiu suavemente.

Piscou algumas vezes por causa da luz amarela e artificial que atingia seus olhos dilatados pela escuridão de suas pálpebras, e esfregou-os com o pulso, fazendo um beicinho ao olhar para a menina loira de olhos azuis, que sua mãe não deixava chamar de irmã, mesmo assim, não deixava de ser uma pessoa muito agradável de se estar perto.

— Que foi? — perguntou a criança, olhando para a mais velha com olhos chorosos.

— Nós estamos chegando. — respondeu a outra, olhando-a animada. Ela não estava mais com a roupa que ela entrou no trem. Quando foi que Eridan vestiu o uniforme? — Você precisa trocar de roupa.

Alice piscou algumas vezes e olhou para a janela, vendo, na escuridão, árvores envoltas pela luz fraca do luar. Então assentiu, sonolenta, e, depois de alguns minutos de convencimento, deixou o coelhinho de pelúcia aos cuidados de Eridan, devidamente enrolado em sua mantinha, enquanto caminhava em direção ao banheiro, com sua mochila para trocar de roupa para o uniforme da escola.

Na escola
No caminho para a escola, ainda tiveram que passar pelas carruagens, com aqueles cavalos esquisitos com asas, que ninguém mais via, além dela mesma — e nem ela sabia porque conseguia ver aquelas coisas esqueléticas, mas os achava uma gracinha. E Alice apoiou a cabeça no ombro de Eridan, abraçando a mochila com o coelhinho de pelúcia e seu cobertor de estimação, e tirou outro cochilo, ainda mais breve, pois já estavam chegando em seu destino final: o Salão Principal.

E sua cabeça começou a doer só de pensar em entrar naquele salão cheio de gente, porque uma coisa que qualquer pessoa poderia dizer sobre essa pequena menina, era que ela odiava multidões.

Sua visão ficou turva, e, mesmo enquanto andava, seguindo as outras pessoas de sua casa, para conseguir encaixar-se entre Eridan — sua irmã — e outra pessoa qualquer que mal sabia o nome, sua mente desligou-se do caminho que seguia, e, ao ponto em que se sentou no banco comprido de madeira, já não estavam mais presentes no front, nem ela, nem sua mãe, Charlotte.

Off: Estar no "front" = alter que controla e está consciente no corpo.

Off²: Aberta para interações.