Jardim Central

Havia pouco tempo que eu me formara em Hogwarts. Tipo… Muito pouco tempo.

No ano passado mesmo, estava deitada embaixo daquela árvore, lendo o livro de Feitiços Avançados escrito por uma autora brasileira, de muitos anos atrás, enquanto Ayn mexia nos meus cabelos. Não que, naquela época nós tivéssemos alguma coisa — isso havia ficado para trás algum tempo antes — mas continuávamos amigas, apesar de tudo, e, além de nos encontrarmos constantemente no salão comunal da Lufa-Lufa, nós constantemente nos esbarramos nos treinos do time de Quadribol da escola. Então, decidimos que o fato de termos tido um caso não nos afetaria, então… Nós nos tornamos melhores amigas.

Agora, ela era Apanhadora em um time famoso, e era uma criatura muito ocupada e viajada, enquanto eu… Bom, eu decidira seguir por outro caminho: o da docência.

Eu sempre apreciara a aula de Feitiços. Feitiços, em si, sempre fora algo que me cativara, e não foi nenhuma surpresa — ao menos para mim — que eu escolhesse lecionar na minha antiga escola.

Claro que, por enquanto, eu era a Professora Substituta — e eu não reclamava disso. Ainda havia muito sobre o que aprender, e, no meu tempo livre, eu poderia estudar sobre o assunto que, em minha humilde opinião, era a base de todo aprendizado dos bruxos — de qualquer bruxo — afinal, são os feitiços e encantamentos que nos tornaram o que somos hoje. Inclusive, foram eles que reformaram essa escola.

Suspirei, enquanto sentava-me sobre aquela mesma árvore, observando os poucos alunos que apreciavam a brisa fresca do final de setembro. Um livro de Feitiços sob meu braço — como antigamente — só que, dessa vez, eu não era mais uma aluna do sétimo ano com sonhos que pretendiam ser esmagados pelos pais ultraconservadores.

Eu era maior de idade. Encontrara um emprego que gostava e ganhava bem com ele.

Eu era feliz.

Não graças ao meu irmão, claro. Ele havia sumido anos antes, quando se formou em Hogwarts, deixando-me sozinha com aquela família que não aceitava que nenhum de seus filhos saíssem um milímetro da linha do tempo que eles haviam formado. Deixando-me sozinha com Marie e Claude Hertzog Bringstrow.

Meneei a cabeça.

Não, agora não era hora de me lembrar dos ressentimentos que tinha em relação ao meu irmão mais velho — ele tinha seus próprios motivos para querer fugir dali. Motivos, pelos quais, eu também quereria ter fugido dos meus próprios pais.

Merlin, o que eles fizeram comigo já era suficiente para eu querer dar o fora da casa deles! Imaginar-me passando pelo que meu irmão passou — perder a mulher que amava e a filha em um mesmo ano, para descobrir, anos depois, que a menina estava viva e fora adotada, enquanto a mulher estava… Morta.

Fechei os olhos e meneei a cabeça novamente, como se para espantar esses pensamentos da minha mente. Não, realmente não era hora de me lembrar disso.

Então, voltei para a minha leitura — ou deveria dizer releitura? — do livro de Feitiços Avançados, sobre o qual eu deveria fazer uma avaliação e um resumo para o professor titular de Feitiços.

Off: Aberta para interações.

— Lou? — olhei para cima, vendo a lufana mais nova que a família de Ayn havia adotado.

Eu sorri para a pré-adolescente e ela se aproximou, abraçando-me. Sua dúvida fez um pequeno riso surgir nos cantos dos meus lábios, enquanto ela se sentava ao meu lado, recostando-se em mim — como costumávamos fazer pouco tempo antes, quando eu fazia parte do time da Lufa, depois dos treinos.

Voltei a olhar para o livro que estava lendo por um instante, para marcar a página em que havia parado, antes de fechá-lo. Só então me voltei para a menina, puxando-a para deitar-se em meu colo, para que eu pudesse mexer em seus cabelos.

— Eu me formei no ano passado. — respondi, penteando os cabelos compridos de Eridan sobre a minha perna. — Mas eu fiquei com tanta saudade de você — toquei seu nariz, apertando-o suavemente — e do time, que eu decidi voltar como professora substituta. — mordi o lábio por um breve instante, deixando que um breve e confortável silêncio se formasse entre nós, enquanto eu mexia em seus cabelos compridos. — Como andam as coisas aqui? Quais são as novidades? Você continua andando com aquele furão na mochila pra todos os lados?

Sim, claro que eu me lembro de Pabu — Eridan quase sempre arrumava problemas por causa daquele furão que resolvia, quase sempre, fugir de seu alcance. Lembro-me de uma história que Ayn me contara — que ela havia caçado aquela coisinha por todo o Beco Diagonal em algum dos anos anteriores.

Essas histórias eram sempre as mais engraçadas das irmãs Peregrine. O que me lembrou:

— Como anda a Sam? — perguntei.

Samantha era uma das irmãs Peregrine, também, mas não havia tido muito contato com ela, apesar de estarmos todos na mesma casa alguns anos anteriores.

Joseph estava procurando essa menina dois anos atrás — quando, tanto ela, quanto Eridan estavam no segundo ano — desconfiava que ela pudesse ser sua filha biológica, com a primeira mulher que ele se apaixonara e que meus pais… Bom, eles odiavam que ele tivesse se envolvido com uma menina trouxa. E os pais dela odiavam que ela tivesse se envolvido com um bruxo.

No entanto, mesmo que eu conhecesse a garota só de longe, eu sabia que havia algo de estranho com ela — quase sempre andando sozinha, às vezes quase como se estivesse fora do ar… Sempre achei um pouco estranho a forma como ela se comportava, também, às vezes alegre demais, ou triste demais…

Bom, mas quem era eu para dizer o que se passava na cabeça alheia. Eu sequer sabia o que tinha se passado com ela antes de ser adotada pelas Peregrine.

Era melhor que eu não me envolvesse tanto com isso — mesmo que me preocupasse, isso era entre as Peregrine e meu irmão. Não é como se ele tivesse se importado de dividir seus problemas comigo todos esses anos em que esteve fora, certo?

Off: Aberta para interações.

Dei de ombros, quando a lufana citou a mesa dos professores — provavelmente se referindo à Cerimônia de Abertura da escola. Era plausível que ela não tivesse me visto, eu fui contratada pouco depois que as aulas começaram — não consegui participar da Cerimônia.

De qualquer forma, era bom que as duas meninas com quem convivi parte do meu tempo em Hogwarts estivessem bem — além de uma delas ser minha sobrinha, certo? Eu tinha que, no mínimo, prezar por seu bem-estar, afinal, meu irmão pediu pra ficar de olho nela.

Sorri de lado e olhei para a menina mais nova, com uma sobrancelha arqueada — então aquele furão fujão gostava de ficar com outras pessoas além daquela artilheira mirim. Eu ri de sua reação ligeiramente indignada por causa do pseudo favoritismo do roedor, e deixei que a informação assentasse em minha mente — Sam continuava a mesma de sempre.

Um silêncio confortável se fez entre nós, enquanto ela continuava deitada em meu colo, eu continuava a mexer em seus cabelos com uma mão, e, com a outra, segurava o livro que estava lendo. Minutos se passaram até que eu senti minhas pernas ficarem dormentes e empurrei a lufana de meus joelhos de uma forma ligeiramente peculiar: deixei meu livro de lado, na grama, e enfiei meus dedos em sua costela, fazendo-lhes cosquinhas, até ela pedir que eu parasse.

— Vamos, guria, você não tem nenhum trabalho ou dever de casa pra fazer não? — perguntei à lufana com a respiração ligeiramente ofegante por causa das risadas.

Enquanto a ouvia, peguei o livro que deixara de lado, sentando em meus calcanhares.