Veelas Café

Algo não parecia certo.

Observando seu reflexo em uma vidraça qualquer, a jovem permanecia parada no meio da calçada. Algo não parecia certo com seu visual. A saia xadrez, cujo corte ia pouco abaixo dos joelhos, encaixava de maneira perfeita em suas pernas, destacando seu quadril até a borda de onde seu colete rosado se iniciava, cobrindo a blusa salmão de tecido fino, que, sutilmente delimitava suas curvas. Tudo combinando, e ainda assim, algo lhe parecia estranho, inapropriado, fora do lugar. Balançando os longos cabelos dourados, a loira se questionou se não seriam os contratempos envolvendo algumas equipes classificadas para o próximo torneio de quadribol. O estresse sempre a deixava desmedidamente inquieta. Algo não muito raro, ou difícil de se compreender quando se trata de Veelas.

Refletiu e refletiu mais ainda, observando a ‘vitrine’, até que notou o que lhe incomodava. O laço borboleta em seu sobretudo, estava desalinhado. — Por Merlim! — Pensou consigo mesma, enquanto realocava-o. Para a maioria, algo assim passaria desapercebido, ou, não faria diferença, mas não para ela. Pois, Tiphaine, tinha um desmedido senso de organização, que se manifestava como uma mania desagradável que não a deixava se sentir bem, quando percebia que algo estava desorganizado, fora do lugar, desalinhado. — Prontinho! — Sussurrou orgulhosa de si mesma, vestindo um largo e contente sorriso em sua face jovial. Sem demora, caminhou rumo seu destino anterior, o Veelas Café, uma agradável cafeteria que no passado, frequentava com bastante assiduidade, mas que, a um bom tempo não visitava.

Assim que cruzou a porta, seus lábios envoltos em batom vermelho se abriram, disseminando mais um largo sorriso pelo local. A atmosfera nostálgica a animou, e o cheiro conhecido de café com torna enebriou sua narina, que, fartou-se em uma profunda inspiração. — Saudade desse aroma doce. — Comentou baixinho, caminhando por entre o pequeno salão do estabelecimento, buscando um lugar vazio para se aconchegar.

TIPH?

— Tiph?! — Entonou repetindo uma voz não muito distante a chamando. — Essa voz? — Buscando com os olhos, não tardou em ver alguém parado, observando-a do pátio do segundo andar. —  Marie?! — Diante dela, de repente, estava ninguém menos de que, Marie R. Stonkovick, uma jovem e bela garota que, ao contrário da maioria dos que passaram pela vida agitada de Tiphaine, a marcou profundamente como seu primeiro amor. — Marie. — Repetiu em voz alta. Não como um cumprimento em si, mas antes, como uma busca de confirmação, descrente do que via. Já não se viam ou se falavam a anos. Por alguns instantes, seu corpo começou a ferver, na mesma medida, seu peito apertou, pressionando deu coração que batia mais rapidamente. O sorriso solto que lhe era natural, foi se formando timidamente, dado o espanto, enquanto encarava sua antiga paixão, de baixo para cima.

Incrédula, caminhou até a escadaria ao lado, indo a passos firmes ao encontro de Marie.

— Não acredito que está aqui. — Disse se aproximando da antiga parceira. Seu rosto não escondia o contento e descontentamento em vê-la ali. Principalmente por encontra-la naquele café onde a tempos iam com constância, e na mesa que ela mesma costumava escolher sempre. — Olha só você...! — Concluiu quase lacrimejando, encarando a ruiva a fuzilando com seu olhar. — É-é..Isso é inacreditável. Te encontrar aqui, assim, após tanto tempo. Ao me deixar — Segurando a corrente que estava em seu pescoço a vontade da jovem era jogar algo em Marie era grande.

— Ela estava linda, por Merlim, ela estava linda!! — Lembro-me que pensei algo assim, enquanto me sentava. Tentei disfarçar um pouco, mas acontece que, veelas, por mais que tentem, não são dadas a desfaçatez, e naquele dia em especial, não sei se pelo passar positivo do tempo, ou, apenas pela saudade que os dias, um após o outro vão tratando de multiplicar, vai se abarrotando, mas, com certeza, Marie estava maravilhosamente admirável. E céus, como estava bela, por instantes, quase esqueci-me de que fora abandonada alguns anos antes. Em uma época, que ao me lembrar de algo doloroso, como esta memoria de agora, me derreteria em lágrimas, ou, incendiaria o local em fúria. Ou beijaria aquela boca.

Porém, o tempo, como senhor de todas as coisas, me fez melhorar meu controle, e em grande medida meu quase esplêndido bom humor. Sentei-me diante dela, e continuamente, prossegui me debruçando na beleza dela. Claro, que, com o tempo, tive novas amizades, das frias ou cálidas turmas escolares, até as polvorosas e pouco acolhedoras salas do ministério. Ainda assim, Marie, tinha algo especial, talvez no tom de sua voz, no calor de sua pele, ou em sua forma condescendente de me olhar com desejo. Sempre fui assim, um pouco descrente e, ao mesmo tempo, desejosa em analisá-la. — Um ano? — Um ano ela disse, e eu pensando em como esta informação me pareceu desagradável assim que meus tímpanos a escutaram e isso fez o assento da poltrona onde me recostei parecer mais desconfortável também.

Depois disto, lembro-me de ter feito, em algum momento meu pedido, ou, algum pedido, emaranhado a isso, “flash” de quando eu e ela nos beijávamos, do calor quase ácido de nossos lábios buscando uma na outra o prazer que o mundo normalmente renega. — Certo, fascinantes palavras, e, aqui vem meu pedido de desculpas.— Pensei comigo mesma, enquanto ficava ouvindo minha paixão” de velhos tempos falando. — Por Merlin, que sede! — Nem imagino o motivo de ter dito isto, porém, meus lábios realmente ressacaram assim, assim que vi o vinho negro ser entregue, e tão logo pude sentir o néctar tocar meus lábios, não pude esconder minhas palavras.

— Então, MARIE, você entende que sumiu e não me deu satisfação por anos não é mesmo? — Eu, em minha mais profunda calmaria e sinceridade, quis, questioná-la e buscar suas reais intenções. Ao ouvi-la, no entanto, algo maior que eu se apoderou, uma coisa que deixou meu sorriso mais cálido, meus lábios mais úmidos, bem como pareceu despertar um brilho em meus fios dourados, reluzindo minha cabeleira loura, em um compasso sincronizado com minha voz suave, e um pouco mais rouca que o normal. — Está vendo os enfeites comemorativos não está? — A interroguei. — Me diga.— Suspirei.

Segurando minha natureza, que, não pude conter.— ENTÃO, quando vou ouvir você, dizer o que mereço. UM pedido de  desculpas?! — Esbravejei sem nexo, mantendo meu sorriso fugaz, ao mesmo que estraçalhei uma taça cheia de vinho negro no chão, um pouco atônita, analisando as reações de Marie parada no outro lado da mesa.

tA temperança é uma virtude louvável, desejável, e que, por vezes se revela uma busca mais difícil que a própria procura para a felicidade. Ninguém sabia melhor destas coisas que as veelas. Tiphaine bufou irritada, voltando seus olhos para sua bebida derramada, alternando entre bater nervosamente com a ponta dos dedos na mesa, e, mordiscar o lábio inferior, que vez ou outra simulava um leve beicinho. Sua respiração tornou-se mais compassada com o passar dos segundos, e seu temor naquele instante era ser confrontada por Marie, o que a faria de vez perder o autocontrole que tinha.

Uma veela, por natureza, não é boa em conter seu temperamento, ela como uma mestiça, no entanto, após anos, se viu bastante hábil em, por certa medida manter-se o mais consciente possível, e consequentemente nem iniciar sua transformação parcial, algo comum de se ver quando uma de sua raça desnorteava-se em situações tensas. O clima ficou pesado rapidamente, mas bastou um pedido adequado de desculpas, para os nervos da loira se acalmarem o bastante para ouvir o que sua antiga companheira pretendia dizer-lhe.

— OBRIGADA, finalmente disse o que deveria ter dito desde o início. — Bufou. — Bem. Posso ter ouvido algo a respeito sim. — Respondeu-a tentando se concentrar no que ouvia e conter seus impulsos. A presença da garota a estava afetando mais do que queria admitir. — E-eu... Eu não sabia disso. — Comentou consternada com a revelação intima que ouvira. Estava magoada, irritada, e se perguntava se o próximo objeto não deveria arremessar contra a companheira. Entretanto, agora não conseguia deixar de se sentir mal por ela também. — Sinto muito por isso. — A raiva de Tiphaine havia se dissipado, entretanto, permaneceu sóbria, escutando atenta, sem encarar Marie durante seu relato tardio, amargurando o fato de só agora descobrir tantas informações avassaladoras sobre a mulher.

— Entendo, na verdade, entendo mais que gostaria. — Disse-lhe, recebendo da garçonete uma nova bebida. Evitando contato visual, a jovem apertou com firmeza sua taça, vendo sua mão tremer levemente. Saboreou o vinho negro, desta vez mais consciente. — Você parece ter passado por coisas terríveis.— Refletiu por um segundo antes de prosseguir com sua fala. — Mas me diga, o que fui para você? — Olhou a seu amor nos olhos.

— Anos. Anos sem uma mensagem, sem uma coruja. — Passivamente calma, a loira não dava sinais de ser a mesma jovem que havia sentado ali instantes atrás. — Sou grata pelo pedido de desculpas, mesmo que tardio. Mais saber que passou por tudo isso e preferiu me afastar, já deixa claro o que eu era para você. — Levantou-se, preparando-se para ir embora.— Nesse caso. — Afastando as lembranças dos momentos felizes que tiveram juntas, os beijos, as carícias e juras, secou um filete de lágrima que, começava a brotar no olho esquerdo. — Acredito que tem uma coisa a menos para se redimir. — Deu as costas a Marie. Saindo as pressas do bar sem olhar para trás, aos prantos..

Compras:

[OFF} Tiphaine Rose Foucault não está mais no local.