Cabeça de Javali

Era fácil demais esquecer do resto mundo quando Guilherme estava tão perto. Ele não havia percebido o quanto sentira sua falta até tê-lo novamente ali. Em carne e osso. Valentín já percebera porque seu relacionamento anterior dera errado, mas só agora conseguia aceitar agora o fato de que se frustrara porque nunca conseguira sentir por Finn o mesmo que sentia por Guilherme. Sim. Ainda sentia. Por mais que tivesse tentado sufocar aquele amor incorrespondido nos braços de outro, era o lufano quem continuava a dominar seus pensamentos.

E era justamente por isso que ele não conseguira se controlar e despejara o que estivera trancado em seu peito por tantos anos. O silêncio de Guilherme era compreensível. Valentín nunca agira de maneira tão vulnerável antes, nunca fizera um pedido tão sincero. Ele compreendia. Sim, compreendia. Mas aquele silêncio ainda doía. Ele brevemente se arrependeu da própria ousadia. Será que fora rápido demais? Tinha assustado Guilherme? O sonserino não sabia se aguentaria outra rejeição. O atendente sentiu o peito apertar enquanto esperava por alguma resposta do mais alto.

As próximas palavras de Guilherme o fizeram abrir a boca numa expressão de surpresa. Ele se lembrava daquilo?! Agora sim Valentín queria fugir para os confins da terra. Mas antes que tivesse tempo de colocar alguma daquelas ideias loucas em prática, o lufano se aproximou subitamente, fazendo o sonserino arregalar os olhos com o movimento inesperado. - G-guilherme? - Os lábios do maior ficaram perigosamente perto dos seus, tentando-o a atacá-los com um beijo como havia feito tanto tempo atrás. Reunindo toda a força de vontade que possuía, ele continuou a ouvir.

Por alguma razão a possibilidade de iniciar uma nova competição contra o lufano fez o sonserino soltar um pequeno riso, fazendo com que boa parte da tensão sobre seus ombros se dissipasse. Era um cenário que ele conhecia bem, e a familiaridade daquelas palavras, mesmo em tom de desafio, o fizeram se acalmar. A mão de Guilherme buscou a sua e Valentín a apertou, sentindo o calor do outro. Um brilho competitivo começava a surgir nos olhos do bruxo espanhol. Aquela voz em seu ouvido provocava sensações que ele não sentia a muito tempo, mas que sabia que gostava. Talvez um pouco demais.

- Você acha que vai me provocar tão fácil assim, Bouwknech? - Sua voz começava a carregar mais confiança, sinal de que Valentín ficava cada vez mais confortável com aquela interação. - Eu comecei esse jogo, lembra? Tenta não ficar muito desapontado quando eu te vencer outra vez.

Somente quando ele se afastou Valentín voltou a respirar normalmente. Suas pernas estavam começando a fraquejar devido ao carrossel de emoções pelo qual passara desde a chegada do rival. Ele aproveitou a chance para se sentar numa das cadeiras. Geralmente era contra o protocolo se sentar com os clientes, mas no estado em que estava não sabia se conseguiria se manter em pé por muito mais tempo. Quando o lufano voltou a falar o olhar do sonserino fixou-se mais uma vez no dele. Era como se estivessem em sintonia. Ele não soubera como responder ao elogio do outro, mas o rubor em sua face e o sorriso em seus lábios davam um bom indício de que havia lhe agradado.

- Eu te machuquei tantas vezes mais. - O assunto sério trouxe lembranças desagradáveis. Ele já havia pedido desculpas, mas aquele era um sentimento que não desapareceria tão cedo. Valentín baixou a cabeça ao se lembrar de um evento particularmente ruim em que havia derrubado Guilherme da vassoura e o machucado bastante. Ficara tão preocupado que secretamente fugira do dormitório aquela noite para ver como ele estava. Mas é claro que nunca admitiria isso na época. E ainda assim o lufano ainda queria cuidar dele, ver se ele estava bem. Como podia ser tão bom mesmo depois de tudo que tinha acontecido? - Pra ser sincero eu não ando mais com a maioria dos meus velhos amigos, então eles não teriam como saber de mim mesmo. - O sonserino ofereceu um sorriso. Saber que Guilherme procurara por ele o deixava mais feliz do que deveria. - Mas não precisa se preocupar. Foi melhor assim.

- Mas eu me arrependo de não ter feito o mesmo, sabe? - Ele desviou o olhar para o prato vazio sobre a mesa. - Eu queria tanto te esquecer que comecei a namorar o primeiro cara que me pediu. - Valentín deu de ombros. - Obviamente não deu certo. - Completou com uma gargalhada. - Eu nunca consegui gostar dele como gosto de... outra pessoa - Mesmo com a face corada, lançou um sorriso travesso na direção de Guilherme. Se aquilo era um jogo, ele jogaria para vencer. - Mas também fico feliz em te ver bem. Continua com o sorriso irritantemente lindo.

O comentário sobre seu chefe arrancou uma gargalhada do sonserino, que institivamente olhou para o relógio. Cinco minutos. Em pouco tempo seu substituto chegaria para assumir o próximo turno. - Hum... Acho que vamos ter que flertar em outro lugar então, não é? - Sua voz soou mais tremida do que ele gostaria, mas o recado foi dado. Ver Guilherme se levantar e sair pela porta fez com que Valentín voltasse a considerar como o tempo havia mudado ambos. O lufano parecia tão mais maduro agora, tão mais certo do que queria. Como era possível que se sentisse ainda mais atraído por ele?

Bem, o momento da verdade estava se aproximando. Se Valentín ia mergulhar naquele turbilhão outra vez tinha que ter absoluta certeza de que era isso que queria. Tentando acalmar suas emoções, ele fechou os olhos e respirou fundo. Considerou todas as memória que vivera com Guilherme. Todos os desencontros, tombos e tropeços. A possibilidade de um romance sempre esteve pairando entre eles, mas nenhum dos dois teve coragem de segui-la no passado. Agora mais velhos e experientes tinham a chance de corrigir esse erro. Viveriam uma história linda ou destruiriam seus corações em mil pedaços. Esse era realmente um risco que o sonserino estava disposto a correr?

Enquanto tentava pensar nos contras daquele relacionamento, ele só conseguia se lembrar de como Guilherme se empolgava quando falava do que gostava, como conseguia fazê-lo se sentir seguro mesmo quando as coisas pareciam sem saída e finalmente de como se arrependeria até o fim de seus dias se o deixasse sair de sua vida novamente. Quando o substituto chegara algum tempo depois, Valentín levantou-se da cadeira e lhe entregou o avental.

- Desculpa, Val. Eu seu que eu me atrasei mas- Ele começou a se desculpar, mas foi interrompido pelo sonserino.

- Tá tudo bem! Não se preocupa. Eu vou indo agora, ok? Te vejo amanhã. - Ele saiu pela porta sem dizer mais nada, deixando o colega perplexo para trás. Valentín não se incomodar com um atraso?! O que estava acontecendo com ele? Ao sentir o ar frio da noite em seu rosto, o Odinson agradeceu por ter se lembrado de pegar um casaco. Ele não precisou olhar muito mais para encontrar Guilherme com aquela expressão debochada que secretamente amava.

- Espero não ter te feito esperar muito tempo. - Ele se aproximou com um sorriso. - Você tem essa mania de sair antes de me deixar dizer as coisas. É meio irritante sabia? - Ele se aproximou com cautela, diminuindo a distância entre eles enquanto continuava. - Pra sua sorte eu adoro quando você me deixa com raiva. Adoro quando me deixa frustrado e adoro quando passa o dia inteiro pensando em novas maneiras de me atazanar. - Valentín não sabia de onde essa coragem tinha vindo, mas lembrava-se da alegria um tanto masoquista que sentia quando Guilherme dedicava sua atenção para devolver suas provocações.

- Eu devo estar maluco, mas adoro até quando você parte o meu coração. - Confessou, aproximando seus lábios perigosamente dos dele. - Só o que eu não aguento é não te ter aqui pra fazer nenhuma dessa coisas. - Estava a poucos centímetros de beijá-lo. - Eu pedi educadamente, mas você não me respondeu. Sendo assim não vejo outra alternativa a não ser simplesmente não deixar que você fuja da minha vida outra vez. - Seu tom abandonara completamente a acidez anterior, tornando-se frágil, mas sincero. - Porque sem você... eu fico perdido.

Suas bocas estavam a poucos milímetros de se tocarem quando Valentín recuou e deu um abraço no lufano ao invés de beijá-lo, divertindo-se com sua reação. Mesmo que o estilo de suas provocações  estivesse diferente, ainda adorava ver como ele reagia. - Agora vem, Bouwknech. -  Disse enquanto entrelaçava seus dedos nos dele e o puxava para longe da parede. - Vamos sair desse frio.