Bosque de Godric's Hollow

Piscou os olhos duas ou três vezes, tentando entrar em foco de alguma forma. Grogue de ódio e de álcool, a pior combinação que se poderia esperar. Na praça, a cova meio encoberta dos pais jazia. Algum idiota tinha tentado minimizar os estragos. Covas abertas não traziam uma boa reputação para um vilarejo que já não era assim tão visitado nos últimos tempos. Suspirou baixo, jogando a garrafa de vodka na lápide fria do pai. O barulho dos cacos reverberou no silencio quando a garrafa simplesmente explodiu. "Porcos." Fenrir foi o primeiro a colocar voz nos pensamentos que intrigavam aos dois. Nenhuma notícia na droga do profeta. Ninguém procurando por esqueletos de ex-comensais.

O rosnado subiu pela garganta, voraz. Era do lobo, não seu. As mãos estremeciam ligeiramente pelos nervos que ameaçavam rasgar-lhe a noção. Quanto já havia se passado? Ninguém para procurar. Ninguém. Suspirou baixo, levantando a face para os céus, deixando o ar gelado tentar lhe acalmar. Uma tentativa em vão. Estalou a língua em exasperação, puxando o capuz para mais perto, resguardando-se nas sombras proporcionadas. Naquela noite, vestia-se com um conjunto de moletom velho e surrado. Era preto como a noite, com alguns poucos detalhes em um branco encardido. Calçava apenas meias, parecendo-se muito mais com um mendigo do que com um bruxo realmente bom.

Meteu ambas as mãos nos bolsos. Deliberadamente, começou a chutar terra por todo o lugar. Não era apenas o túmulo de seus pais. Batia com força em túmulos alheios, pressionando as lápides mais fracas com os pés para fazê-las sair do lugar. Algumas vezes conseguia derrubá-las, em outras não. Ria alto, realmente alto, sentia-se o mais divertido dos homens que andavam sobre a Terra. Pretendia ficar por ali mais algumas horas, poderia ter ficado a noite toda sem se cansar, na verdade. Foi um azar quando uma jovem saiu da casa mais próxima ao cemitério. Jovem demais, provavelmente terminando Hogwarts. Provavelmente entre os quinze ou dezesseis anos. E gritava. Céus, como gritava com aqueles pequenos pulmões! Esbravejava com alguém.

Extasiado na própria diversão, Erik demorou algum tempo antes de perceber que era consigo. A criança o odiava por algo que não entendia ainda, mas que logo percebeu. A menina falava alguma coisa sobre deixar a mãe em paz. "Deixar a mãe morta em paz," Corrigiu a fera prontamente. Sem saber o porque, o Sosken riu. Riu junto ao lobo, um som grosseiro, rouco e arranhado que só tinha quando a criatura também falava por sua voz. Naquela noite, para o azar da pequena, o homem e o monstro estavam sintonizados em apenas um. Sem compaixão. Sem pena. Um menino loiro, de aproximadamente a mesma idade, saiu da casa atrás da menor, tentando vestir às pressas um casaco folgado. Erik andou pelas covas fechadas enquanto o outro corria até si, tentando descobrir qual delas a irritava mais.

Quando pensou estar direcionado para onde a mãe da jovem estava enterrada, riu outra vez, chutando a lápide diversas vezes até a menina estar próximo demais. Deliberadamente, Brandt foi saindo de perto do cemitério. Corria em ritmo moderado, rindo em muitas paradas no caminho para deixar aquela bupla desastrosa ter a esperança de alcança-lo. O menino berrava para a irmã voltar, dizendo que era perigoso e coisas assim. Uma menina teimosa, de fato. Uma menina que ficaria muito melhor se seguisse as ordens da irmão. A versão mais patética de João e Maria que alguém poderia imaginar. Atraídos para o bosque de Godric's Hollow, perseguindo o perverso perturbador da paz eterna de uma morta mamãe. Quanto pior parecia, melhor.

A adrenalina irradiava pelo corpo, exalava pelos poros. Deliciosamente cruel. Encantadoramente sádico. Ria, por dentro e por fora. Riam, Fenrir e Sosken. Já estava no meio das árvores quando a o menino alcançou a jovem, parecendo por fim na brincadeira infernal do moreno. Queria mais. Precisava de mais. Ele abraçou a pequena, prendendo-a contra si, sussurrando algo para acalmá-la. Claramente foram tão estúpidos e imprestáveis na tentativa de conter o malvado desconhecido que se esqueceram de que um bruxo deveria estar sempre com a varinha. Uma lástima não ser mais divertido. Contornou-os. Ela chorava, ele recitava uma canção. Puxou a varinha e a apontou para o alvo. Não era preciso de muita prática para acertar rapaz parado, mesmo que ele próprio se mantivesse no segredo da floresta. "Sem piedade."

— Avada Kedavra! — Exigiu, a voz ainda distorcida pela proximidade do animal. Era o alter ego que o controlava prioritariamente naquele momento. Mesmo em forma normal. Inédito e delicioso para ambos. O clarão verde conhecido, o grito agonizante e desnorteado. Acertara pelas costas, fazendo o peso do irmão pender sobre a menina. Covardes e sem graça. Fenrir rosnou, irritado. Forçou a transformação sem muita dificuldade e, ao invés do homem, o lobo negro gigante saltou para fora da escuridão. Segurou o corpo desfalecido e mais pesado pela cabeça e puxou-o para longe do segundo alvo. A loira estremeceu, confusa e amedrontada, tentando se levantar.

Uivou em um sinal de caça, anunciando a presa iminente. Apenas alguns passos rápidos para alcança-la, agarrando-a pelo braço e o puxando para si. Sacudiu a cabeça, tentando destrinchá-lo. O gosto de sangue já era familiar ao palato, agradável. A agonia de quem era caçado, a súplica patética, os ossos cedendo aos dentes firmes. Perfeito. Rosnava e mastigava a carne, destruía o braço pequeno... Até começar a ouvir a movimentação. Em passos rápidos, retrocedeu, voltando para as árvores e debatendo a menina com força contra os troncos. Ela gritou bastante... Até não gritar mais. Inerte também. Não morta, mas desmaiada. O lobo riu. "Pelo menos ela já sabe o que pedir de Natal. Um braço novo cairia bem."

Afastou-se, voltando à posição original e agarrando a própria varinha cuidadosamente com a boca. Disparou em passos rápidos para longe da cena, atravessando boa parte do bosque antes de voltar para a forma humana e aparatar dali.