Primitivamente, cemitério era o lugar onde se dormia. Uma palavra que vem do latim coemeterium, que, por sua vez, deriva de cinisterium (cinos: doce e renor: mansão), como do grego kouméterion, de kaimâo, que significa eu durmo. Foi somente nos primeiros séculos da nossa era que a palavra assumiu o sentido de necrópole, de campo-santo, onde ficam os cadáveres. A Bíblia, em várias passagens suas, denomina o cemitério como sendo onde dormem os mortos até serem acordados pelas trombetas do Juízo Final, quando se levantarão incorruptos. Sendo assim, o cemitério de Godric's Hollow parecia o lugar óbvio para encontrar os restos mortais de um casal de bruxos.

Isso, claro, não seria um problema se Erik fosse cristão. Na verdade não seria um problema até se um ou ambos os pais o fossem. As coisas só se complicavam porque, dadas as circunstâncias da morte de Bjorn e Freya, como comensais presentes na batalha de Hogwarts, ninguém do ministério sequer pensou em perguntar o que os entes mais próximos dos dois desejavam para os corpos. Dois nortenhos, fiéis aos deuses antigos do norte, à Mãe e suas criaturas, enfiados como adubo na terra, devorados por vermes e decompostos pelo tempo. Lápides pálidas com nomes vazios e despedidas genéricas, desrespeitando os desejos tanto dos mortos quanto dos vivos.

Por muito tempo nenhum dos dois Sosken restantes puderam reagir. Primeiro eram novos demais e, depois, quando já tinham idade, a justiça os proibiu de retirar os ossos, considerando que todo o resto já estava completamente decomposto e que não teria sentido para assim fazê-lo. Em um julgamento um tanto cruel, chegou a ser dito que as vítimas dos dois comensais também não tinham escolhido nem mesmo se desejavam morrer, de modo que pouco importava onde estavam enterrados. Nas palavras do júri, "têm sorte de termos cedido espaço em um lugar descente para esses daí". E, assim, por quase mais dois anos os gêmeos puderam apenas recordar magoados da decisão.

Agora, por sorte, Erik não tinha mais um trabalho. Tinha se demitido do St. Mungus há não muito tempo e não devia mais satisfações. Cansado de se esconder em uma rotina medíocre, completamente farto de se curvar ao Ministério, rebelara-se em um ato honroso. Afastara-se de todo e qualquer contato social por um mês inteiro, seguindo a voz da fera que falava dentro de si. Um mês de caça e devoção, de exaltação da própria cultura nas terras geladas da Noruega. Seu pai teria dito que o menino se tornara homem. Jovens com votos renovados eram considerados responsáveis o bastante para tomarem suas próprias decisões.

E, naquele momento, no cemitério da própria ilha da prisão de Azkaban, o Brandt tinha começado a tomar as suas. Assim, com a varinha na destra, ainda montado na própria vassoura, apontou para o céu. Apesar da brisa suave a indicar o fim do verão, trajava apenas uma camiseta preta padrão e calças escuras rasgadas, de modo que a marca se fazia visível no antebraço da canhota. "Tenho fome. Não quero me atrasar." Rosnou Fenrir em seu peito, o som bruto e rouco parecendo fortificar as certezas do moreno. Se o lobo não desejava o atraso, então seria breve: Concordou com a cabeça em um aceno discreto, mas suficientemente convicto para que o outro entendesse a decisão. Era horário das trocas de guarda, o momento perfeito.

— Morsmordre. — Ordenou para o objeto mágico, o sorriso brincando no canto dos lábios. A caveira verde subiu aos céus, interpondo as nuvens pesadas da noite sem luar. Brilhava, intensa, os buracos dos olhos completamente vazios. Abriu sua mandíbula lentamente, a cobra deslizando para fora e se enrolando pelos céus. A marca negra, sinal de Lord Voldemort há muitos anos atrás. — Quia Othinus! — Ordenou em seguida, concentrando-se na forma exata como desejava que a magia se moldasse. A cobra deslizou alguns metros mais, abandonando completamente a caveira que sumiu na escuridão. Fechou um triângulo perfeito e um segundo contínuo ao lado antes de descer e sobrepor mais um.

Valknut, o nó dos enforcados. O símbolo de Odin formado pela cobra do símbolo dos comensais. A representação do poder sobre a vida e a morte. Não era um acaso, óbvio. Era um sinal bastante claro, para duas frentes diferentes. Para os guardas e o Ministério, o aviso de que um novo Lord estava por vir. Um que trazia consigo novos ares. E, ao mesmo tempo, uma mensagem para uma presidiária bastante especial. Um sinal de que o tempo de ser liberta estava chegando e um pedido para que se preparasse. Com toda certeza, Erik Brandt Sosken já não era um menino.  Fenrir urrou, vitorioso, enchendo o peito do moreno de um misto de sensações.

Antes que pudesse ser pego, deu meia-volta na vassoura, apontando-a para o lado oposto à enorme construção. Inclinou-se, acelerando absurdamente com o vento zunindo nos ouvidos. Tinha um orgulho que mal lhe cabia, o ego inflado pelo ato bem sucedido. Como havia prometidos aos pais diversas vezes antes de dormir, na solidão quieta de sua casa, finalmente tinha chegado a hora de vingá-los. Tomava para si a responsabilidade de fazer o Ministro cair. Ainda com os pensamentos descontrolados, saiu do local, afundando-se na noite e confundindo-se nas nuvens até que se tornasse impossível alcançá-lo.