Vila dos Centauros

Durante o jantar, Athena manteve-se tal e qual como estaria num dia normal. Depois, fingiu que ia dormir e esperou por um momento certo para escapar da sua comunal e descer a torre, cruzar o pátio e se encontrar com Aaron. Após um roubo perfeito das vassouras da escola, os primeiranistas voaram desengonçados na direção da vila.

Athenaïs quase pousou de cara no chão de terra batida, mas controlou a sua vassoura no último segundo. E ali estava ela. A poucos metros da vila dos centauros.
Subitamente, o seu corpo foi paralisado pelo medo que crescia dentro de si. A sua mente repreendia-a, berrando sobre como aquela pequena aventura iria acabar em morte certa. Foi graças às palavras de Aaron que ela repentinamente saiu do transe em que se encontrava e seguiu em direção às luzes da vila. Se escondeu por detrás de um arbusto junto com o amigo e ouviu atentamente as suas palavras.

— Acho que devemos conversar primeiro… – murmurou, um pouco receosa das próprias palavras. – Se nos encontrarem dentro da vila acabou para nós. Eles teriam um motivo justo para atirar na gente de cara.

Athenaïs respirou fundo. Não gostaria de desrespeitar os centauros, ouvira falar bastante das criaturas e odiaria não poder se tornar amiga deles. Porém, naquele momento, era uma situação de vida ou morte e ela teria que apostar no fato de que se eles machucassem (ou pior) um estudante de Hogwarts, eles teriam problemas não só com a direção da escola e dona legal no seu território, mas também com o ministério. Ela preferia apostar no medo dos centauros de perder a sua casa – e também na sua honra de não machucar crianças – do que tentar se arriscar a perder um olho. Mas não se atreveria a partilhar o seu raciocínio com Aaron, com medo de que algum dos centauros a pudesse ouvir.

Seguindo o exemplo de Aaron, Athenaïs se levantou do seu esconderijo. Seguiu em direção a vila, segurando forte o cabo da vassoura que a tinha levado até ali. Eles sequer tinham passado para dentro do que seria considerada a vila dos centauros quando uma flecha voou em sua direção. Athena gelou completamente no lugar, olhando assustada na direção da flecha.

— Foi mal! Sou da paz eu juro! – Aaron exclamou e outra flecha voou em sua direção, agora atingindo-o perto dos pés.

O rapaz saltou com o susto e uma criatura emergiu de detrás das tendas. Um centauro. Ele olhava para os jovens com uma cara séria, apontando outra flecha afiada na sua direção. Athenaïs sabia que aquilo não iria acabar bem, então, por cima do ombro, sussurrou para Aaron.

— Quando ouvir o sinal, suba na vassoura. – murmurou, se virando logo de seguida para o centauro que se aproximava em passos lentos. – Boa noite. Peço perdão por estarmos tão perto de sua vila, mas queríamos conversar.

— Não são bem-vindos aqui. – repreendeu a criatura. – Vão embora.

— E iremos de bom grado. Mas onde por acaso vocês têm algum livro sobre a sala precisa? – foi a vez de Aaron tomar espaço na conversa. O olhar do centauro tornou-se ainda mais frio, como se aquele assunto não o agradasse.

— Vou avisar outra vez: vão embora.

— Onde está o resto dos centauros? – Athena perguntou num tom gentil, esticando o pescoço para ver se conseguia ver qualquer outro potencial inimigo. Ela não conseguia ver absolutamente ninguém. Seria esperado que os territoriais centauros já tivessem se reunido todos na porta da sua vila para massacrar os visitantes indesejados.

— Não interessa.

— Onde está o livro? – Aaron agora parecia impaciente. O centauro fechou ainda mais a cara e se posicionou para atacar.

Athenaïs cutucou o colega com o cotovelo e assinalou com a cabeça para a tenda que estava atrás do centauro, do lado oposto da vila. Parecia mais decorada do que as outras e seria exatamente aí que alguém guardaria um tesouro. A jovem esperava que o amigo tivesse entendido o que ela estava tentando comunicar. Mas não havia tempo para confirmações; o centauro lançou uma terceira flecha, desta vez perigosamente perto da cara de Athenaïs.

— Agora, Aaron! – a loira exclamou, subindo para a sua vassoura. Ela subiu para o ar, por pouco escapando de uma outra flecha, desta vez ainda mais perigosa. A loira trocou olhares com Aaron.

Alguém precisava de distrair o centauro enquanto o outro pegava o livro. A loira acenou com a cabeça para que ele continuasse a busca e desceu com a vassoura, aproximando-se novamente do centauro. O animal continuava jogando flechas na sua direção, sem querer saber se acertava na jovem ou não. Athena sabia que a única maneira que poderia sair dali com vida seria se conseguisse cegar o centauro de alguma forma. E, ao mesmo tempo, tinha que conseguir arranjar tempo para que Aaron procurasse o livro. Então teve uma ideia que era brilhante e ao mesmo tempo absurda.

Primeiro ela conseguiu atrair a atenção do centauro apenas para si, subindo e descendo na vassoura se desviando das flechas que o centauro mandava por pouco. Esperou por uma abertura, mais especificamente, quando o centauro ia pegar uma flecha da alijava em suas costas para poder passar para a segunda fase do seu plano. Desceu com a vassoura a pelo menos dois metros do chão, indo na direção do centauro. Surpreendido com a velocidade com que a jovem vinha na sua direção, o centauro parou por alguns segundos; tempo o suficiente para que Athenaïs pegasse na sua varinha e a apontasse para os olhos do seu adversário.

— Lumos! – disse exatamente quando a varinha estava a centímetros dos olhos do centauro.

Como esperado, a luz intensa tão próxima a seus olhos deixou o centauro atordoado tempo o suficiente para que Athena desse a volta para pegar as flechas que restavam na alijava no centauro, mas ele se virou a tempo para jogar outra flecha na direção da moça que, desta vez, não conseguiu fugir totalmente. A flecha passou rente no seu braço, cortando a sua pele. A dor se espalhou pelo corpo da jovem que por pouco não perdeu o controle da sua vassoura. Sabendo que já não seria útil para distrair o centauro, olhou em volta desesperada esperando ver Aaron com o livro que procuravam.

Suspirou de alívio a ver que Aaron estava saindo da tenda são e salvo e, debaixo do seu braço, trazia um livro. A missão tinha sido um sucesso, agora só faltava sair daquele lugar horrível e descobrir o que fazer com aquele livro. Estava distraída olhando para o amigo que não notou que o centauro ainda estava presente e, agora, mirando diretamente para ela. Se não fosse Aaron, ela provavelmente não teria saído da floresta para contar a história da sua aventura. O centauro começou a dançar, atraindo a sua atenção até ao rapaz.

— Aaron! Cuidado! – A jovem tentou alertar o grifino do perigo iminente, mas já tinha sido tarde demais. O centauro tinha acertado uma flecha na sua vassoura.

Observou enquanto a vassoura da escola perdia o equilíbrio, deixando de funcionar e colocando Aaron de volta no chão. Temendo pela vida do amigo e com a adrenalina correndo por suas veias, Athenaïs esqueceu completamente da sua ferida ou de qualquer medo que pudesse ter. Se segurou com força na vassoura, se inclinando para baixo o suficiente para chegar perto de Aaron.

— Vamos! – disse, estendendo uma mão na sua direção. Ajudou Aaron a subir na vassoura que tentava o seu máximo se aguentar no ar. – Certo. Se segure, vai ser uma viagem um pouco atribulada.

A loira respirou fundo e segurou com força o cabo da vassoura, como se ela pudesse passar a sua própria força para o seu novo meio de transporte favorito. E foi em direção das árvores, confiando em Aaron para os manter seguros de quaisquer flechas que o centauro tentasse mandar. Focou-se apenas nas árvores que contornava para tentar despistar a criatura que os seguia até conseguir uma clareira grande o suficiente para subir para cima das árvores, deixando o centauro completamente para trás. Estavam mais baixo do que o normal e Athena temia que a vassoura desistisse a qualquer momento.

— Vou parar no primeiro lugar seguro que eu achar. Acho que essa vassoura vai morrer daqui a pouco. – o seu tom era brincalhão, mas ainda assim um pouco preocupado. Eles já tinham passado por loucuras suficientes hoje. – Ao menos a gente tem o livro.

Quando sentiu os seus pés tocarem no chão, a loira suspirou de alívio, deixando que todo o ar preso nos seus pulmões graças à antecipação se esvaísse num só sopro. Segurou a vassoura que desengonçadamente pairava no ar, fazendo carinho em seu cabo como se tratasse de um ser vivo.

— Estou bem. – disse baixinho. Colocando uma mão por cima das vestes rasgadas e do corte no braço. – Arde só um pouco, nada demais. Não precisa se preocupar.

Deu um sorriso e os seus olhos dirigiram-se para o livro que o rapaz tinha em mãos. Era uma coisa pequena, poeirenta e feia; algo que claramente os centauros não se importavam o suficiente para abrir ou cuidar. Quem quer que tivesse escrito aquele livro não fazia ideia do estado em que ele estava – ou talvez fizesse e queria que eles continuassem assim. Como se ele lesse os seus pensamentos, Aaron comentou sobre o livro. Athena assentiu, mas antes que pudesse comentar, ouviu passos. A sua cabeça se virou automaticamente para a origem do barulho, revelando o Zelador Baltimore se aproximando deles. A corvina gelou.

— O que pensam que estão fazendo aqui essa hora crianças? – o homem colocou uma mão na cintura. Oswald viu-se incapaz de sequer pensar em alguma desculpa. Estavam tão dentro da floresta que não esperava encontrar ninguém. Não tinha se preparado mentalmente para ser apanhada. – Querem me fazer ser demitido ne?

— Não. Nem pensar. – disse logo de seguida, levantando ambos os braços provando a sua inocência. Mas o ferimento em seu braço doeu, obrigando a moça a soltar um silvo e levar a sua mão livre para o local da dor.

— Vamos, vamos para a comunal, você menina vai para a ala hospitalar primeiro tratar esse corte.

— Não é necessário. Eu estou bem.

Parecia que o zelador tinha ignorado as suas palavras totalmente. Ele colocou a mão em seu ombro e começou empurrando os primeiranistas para longe daquele lugar. Agradeceu internamente que ele não iria perguntar como raios ela tinha se machucado naquela floresta. E esperava que ele nunca perguntasse. Olhou para Aaron, silenciosamente perguntando se ele estava bem.

Uma coisa era certa. Na manhã seguinte ela iria faltar à primeira aula para dormir uma soneca bem merecida.