Passagem da comunal da Corvinal

Eu estava tentando passar despercebido, como vinha fazendo nos últimos dias. O corredor da passagem para a sala comunal da Corvinal estava vazio, como de costume àquela hora do dia, e eu esperava conseguir chegar ao meu refúgio sem maiores interrupções. Mas, para minha infelicidade, assim que virei a esquina, vi Caroline. A ruiva me encarava com uma intensidade que eu reconhecia de longe. A irmã de Eleanor sempre foi mais feroz, mais disposta a enfrentar quem fosse necessário. Ao contrário de Eleanor, que sempre tinha um sorriso no rosto e palavras brandas, Caroline parecia uma tempestade prestes a desabar. Ela me viu, e antes que eu pudesse pensar em uma desculpa ou simplesmente acelerar o passo para evitá-la, senti sua mão no meu braço, puxando-me para um canto. Seus olhos verdes estavam faiscantes, cheios de uma raiva que parecia vir de dentro das profundezas. Eu sabia que essa conversa não seria nada fácil.

Ela perguntou sobre minha visita a ala hospitalar, sem rodeios. Seus olhos perfuravam os meus, e eu instintivamente desviei o olhar. Não queria encarar aquilo. Não queria encarar a verdade que, no fundo, eu tentava esconder até de mim mesmo. Eu sabia exatamente de quem ela estava falando. Eleanor. A garota que agora todos sabiam que eu tinha machucado. A garota que, por mais que eu tentasse afastar, sempre acreditou em mim de um jeito que ninguém mais o fez. E agora ela estava lá, naquela maldita ala hospitalar, em coma. Por minha causa. Mas eu não ia deixar Caroline ver isso. Eu não ia dar a ela o prazer de saber que suas palavras estavam me afetando, mesmo que, lá no fundo, cada uma delas fosse como uma faca girando no meu peito. Eu puxei o braço de volta, tentando me livrar de sua presença, mas ela não cedeu. Era irritantemente insistente, e eu sabia que ela não ia desistir até conseguir o que queria.

Cuspiu as palavras, sua voz carregada de amargura.  Por algum motivo, ela foi a única que acreditou em ti, embora pudesse ter as suas desconfianças. A única que acreditava que por debaixo dessa carapaça de malvadez existia um rapaz que poderia ser salvo. A cada palavra que ela dizia, eu sentia como se algo dentro de mim estivesse rachando, mas eu me recusei a demonstrar qualquer emoção. Mantive o olhar fixo, frio, encarando-a de volta com fúria, tentando mascarar o que eu realmente estava sentindo. Caroline continuou, implacável, mencionando o quanto Eleanor acreditava que até os vilões podiam mudar, que havia algo bom dentro de mim, algo que merecia ser salvo. Ela falava como se conhecesse minha relação com Eleanor, como se soubesse de algo além das aparências, mas a verdade é que ela não sabia de nada. Ninguém sabia.

Ela queria respostas. Queria uma redenção que, na verdade, eu não sabia se merecia. Mas mais do que isso, ela queria Eleanor de volta. E, por mais que me custasse admitir, eu queria o mesmo. Queria que Eleanor acordasse, que abrisse aqueles olhos brilhantes e me lançasse aquele sorriso que, por mais que eu tentasse ignorar, sempre me desarmava. Mas eu não ia deixar Caroline saber disso. Não ia deixar ninguém saber disso. Quem te disse que eu quero que ela volte? Perguntei, com um tom ácido e desdenhoso. As palavras saíram da minha boca com uma facilidade assustadora, embora não significassem nada daquilo que eu realmente sentia. Caroline piscou, surpresa, mas eu continuei antes que ela pudesse dizer algo. Talvez seja uma bênção não ter mais a idiota da tua irmã colada aos meus pés, sempre tentando me salvar, como se eu fosse algum projeto de caridade dela.

Eu sorri. Um sorriso maldoso, falso, que servia apenas para mascarar a dor que eu sentia por dentro. Uma dor que só aumentava a cada segundo que eu estava diante de Caroline, sendo confrontado pela verdade que eu queria tanto evitar. As palavras dela tinham mexido comigo mais do que eu queria admitir. O fato de Eleanor ter sido a única pessoa que realmente acreditava em mim, mesmo quando eu fazia questão de mostrar o contrário... aquilo doía. Doía mais do que qualquer um poderia imaginar. Porque, no fundo, eu sabia que ela estava certa. Eleanor sempre via algo em mim que ninguém mais via. E por mais que eu tentasse afastá-la, ela insistia em acreditar que havia algo bom em mim, algo que valia a pena. E agora ela estava pagando o preço por isso.

Mas eu não ia deixar essa culpa me consumir. Não ia deixar Caroline ver o quanto suas palavras estavam me afetando. E para quê? Para que ela acorde e volte a ser essa insuportável que você tanto adora? Continuei, mantendo o tom sarcástico. A cada palavra que saía da minha boca, eu sentia uma parte de mim se despedaçando.  Quem sabe, até é melhor que ela fique onde está. Ao menos assim, ninguém tem que lidar com suas ilusões ridículas de que todo mundo pode ser salvo. Eu sabia que nada daquilo era verdade. Sabia que, na realidade, a única coisa que eu queria era ver Eleanor de volta. Queria poder olhar para ela e dizer... bem, dizer qualquer coisa que não fosse essa fachada de desprezo que eu mostrava ao mundo. Mas admitir isso seria admitir que eu me importava. E isso... isso eu não podia fazer. Não podia mostrar fraqueza. Não podia dar a Caroline essa satisfação.

Ela me encarava, perplexa, a raiva borbulhando por trás de seus olhos castanhos. Mas por mais que ela quisesse me atacar, eu sabia que não iria. Sabia que, de algum jeito, minhas palavras a feriam, mas também a deixavam sem saída. E essa era minha estratégia. Afundá-la antes que ela pudesse me afundar. Mas, mesmo com tudo isso, uma parte de mim não podia ignorar o que Caroline estava dizendo. A verdade é que ela estava certa. Eu devia isso a Eleanor. Devia muito mais do que apenas uma visita. Ela sempre esteve lá por mim, mesmo quando eu fazia questão de afastá-la. Mesmo quando eu era cruel, distante, ela nunca desistiu de mim. E agora, com ela deitada naquela cama, imóvel, sem reagir a nada, por culpa minha. Mas eu jamais deixaria que Caroline ou qualquer outra pessoa soubesse disso. A culpa era algo que eu carregava sozinho, e não seria agora, diante dela, que eu deixaria isso transparecer.

Ela foi clara quando comecou a me ameaçar, com os olhos faiscantes de raiva, dizendo que se eu não aparecesse na ala hospitalar dentro de 24 horas, ela faria da minha vida um inferno. E, conhecendo Caroline, eu sabia que ela não estava brincando. A garota era destemida e determinada, capaz de qualquer coisa para proteger a irmã. Ela provavelmente já estava se corroendo por dentro, esperando que eu não aparecesse, só para poder começar sua vingança. A ameaça dela ecoava na minha cabeça, e, sinceramente, parte de mim estava curioso para ver até onde ela iria. Mas outra parte, a parte que eu odiava admitir que existia, sabia que eu tinha que ir. Não por causa de Caroline, nem por medo do que ela faria. Mas por Eleanor.

Vá para o inferno, Caroline. Espero que me espere sentada!  Foi o que consegui dizer por fim, virando-me de costas, determinado a me afastar dela e de toda essa conversa. Mas, enquanto me afastava, o peso de tudo que ela havia dito permanecia sobre meus ombros, mais pesado do que nunca. Eu sabia que tinha que fazer algo. Sabia que, por mais que quisesse fugir dessa responsabilidade, Eleanor merecia que eu estivesse lá. Mas como eu poderia encará-la depois de tudo?